sábado, 29 de julho de 2006

Epitáfio.

Que não seja dito que nunca tentei.
Tentei!
Ser como os outros, ou diferente deles.
Seguir padrões.
Repetir bordões.
Refletir uma imagem de Homem
Que Ele mesmo não conhece
Ou reconhece no espelho que me deram.
E ao final, cá estou.
Uma imagem comum, no catre perpétuo.
E se não tentei, eis o que sou.
Uma imagem simples, o que restou.

29/julho/2006

Amor marginal

Eu amo, tu amas, nós amamos este amor marginal
A expandir-se limitado pelas paredes do segredo
Florescendo obscuro sob as sombras noturnas.
Legítimo em sua clandestinidade,
Virtuoso na proibição que o eclipsa e o degrada.

A lua, indiscreta testemunha e confidente,
Contra olhares profanos protegendo está
Este sacro e marginal amor.

Filho apenas de nós dois
que em teu materno seio
a ansiosa ventura procuramos:
Saciar a sede de viver, e a fome de amar,
Simplesmente amar
Arrebatados por este intenso e clandestino amor.

outubro/2000

Super-homem.




Tenho defeitos e fraquezas...
morro de medo, muitas vezes...
de super-homem só tenho a capa,
que me protege.
Mas insisto... sou teimoso...
Sou criança mimada, quero o que quero.
E pronto! Será esta minha criptonita?

29/julho/2006
Ouve um barulho que lhe gera curiosidade,
Uma fera ronronando depois de batalha sangrenta.
Que lhe trouxe glória e perdição.
Com heróis indecisos e vilões pela metade.
Em suas mais peculiares manifestações.
Imagina confrontos épicos,
mas surpreende-se com conclusões óbvias:
suas personagens vivem ao redor,
Nem heróis e nem vilões.
São gente, apenas!

29/julho/2006

segunda-feira, 10 de julho de 2006

Pipa amarela

Sopra o vento tranquilo,
Sopra sem parar.
Sopra o olhar do menino
Levando a pipa pro ar.

Voa a pipa amarela,
Voa sem parar.
Voa singrando os ares
Levando o menino a sonhar

Se fosse asas a pipa
Que o menino pudesse usar
Voaria o menino faceiro
Por montes, vales e mar.

O vento parou de soprar.
Já não voa a pipa amarela.
Nem voa o olhar do menino.
De novo preso à janela.

segunda-feira, 17 de abril de 2006

Meta-existência.

Noite alta, lua cheia.
Pela escuridão caminha o Homem
Visitado por seres míticos
Que lhe narram sua meta-existência.
Com sons e imagens fantásticas

Sob o encanto de morfeu
Percebe que pensa onde não existe.
E trespassado por aquele sonho cumprido
(do qual lhe falou uma certa analista)
Reconstrói o mundo em si.

Percebe que existe onde não pensa.
Dizendo o que não é dito.
Expurgado por um novo rito.
Metafísico. Físico e Mental.
Que remodela o mundo apesar de irracional

17/abril/2006

quinta-feira, 6 de abril de 2006

O pensar e a pedra.

O mal do Homem
é que ele começou a pensar.
Então, inventou a dúvida.

Duvido, logo existo.
E existo em profusão.
Um tanto aqui e outro acolá.

Torno-me dois, ou mais,
Ou melhor uma junção.
Aquilo que fica a meio caminho.

E talvez eu seja aquela pedra,
Que nunca se esquecerá.
Mas que no meio do caminha fica.

Caminha? Não, espera!
Que um moleque displicente
a atire na janela.

(Ô, espera danada.)

domingo, 26 de março de 2006

O eco

Já não tenho mais palavras
pr’aquela batida que soa no peito.
Palavras se esgotam,
mas o silêncio não vem.
Fica o eco pedindo destino certo.
Repetindo a lamúria sem nome.

Odeio o cachorro latindo,
ou seu uivo pra lua.
Desejo cerrar os olhos e deixar
de existir por um momento.
Ouço, contudo, ecoando:
Entrega-me. Entrega-me.

Mas aonde?

E respondo:
Conforma-te. Conforma-te.
Pra quem não tem destino,
qualquer caminho é bom.

19/03/2006

sábado, 18 de março de 2006

Poema ignorado

Revolta-me a felicidade da ignorância
Seu olhar fechado, ouvido tapado e tato cerceado.
Revolta-me seu sorriso impassível
E o desdém por aquele que conhece.

Invejo a tranqüilidade da ignorância
Protegida da chegada do sol
pelas brumas da manhã.

Que me importa a cegueira voluntária?
Mas que é feito daquele que conhece?

Tira de mim toda a ciência
Arranca de mim toda a certeza
Pois de certo sei apenas o que quero
e não quero querer.
De certo sei apenas o que quero esquecer.


11.02.2006

sábado, 4 de março de 2006

Réu confesso inimputável

Não gaste conselhos de auto-etima.
Nem melífluas palavras de consolação.
Foi minha culpa, devo admitir,
Acreditar de novo naquela ilusão.

De que o sol nasceu para todos,
Que já não existe réu.
E que neste mesmo instante
Ele aquece e brilha lá no céu.

Não gaste palavras de esperança.
Poupe o seu tempo, eu te aviso,
Sou réu confesso e renitente.

Reclamo, grito. Isto faço.
Mas sei também. Teatralizo.
Pois creio: hoje ele brilha diferente.

21.02.2006

Declaração de uma promessa

Se existe diga-me algo que eu queira ouvir.
Dê-me um sinal.
Apenas o silêncio persiste,
Já não há mais o sussurro da esperança
Nem o estrondo de sua ausência

A lua é minguante e ilumina mal o caminho.
Mas crescente é ânsia de ressentir o
Sussurro de uma promessa.

Mesmo que fosse uma barganha
(daquelas que fazemos com Deus)
E prometo testemunhar o milagre nos seguintes termos:
“Pela graça recebida. A cura de uma surdez sentimental.”

21.02.2006

Desentranhamento

Deseja sair, coisa estranha.
Gira e remexe-se nas entranhas.
Força passagem, caminho obscuro.
Almeja à luz ser observada.
Calafrios. Titubeio.
Gira os sentidos. Devaneio.
Trinco os dentes. Desespero.
Suor frio. Um suspiro.
Alivio ácido na garganta.

18.02.2006

Verborragia II

A palavra renova-se na dialética cotidiana,
Primeiro o dia, depois a noite,
Luz e sombra.
Alternando-se na corrente verbal.

Neste fluxo incessante, revive-se
a inutilidade da palavra repetida.
Seu transbordar sem sentido
e seu motivo sem razão
perpetuando a vazante coloquial.

Como se a abundância tivesse
o poder de mudar o sentido do rio
E a nascente inverter o efeito do frio
que minha alma enrijece.

Na palavra, o excesso
No excesso, a falta.
No afago, um adeus,
No adeus, até breve.
No que é breve, eternidade.

De eterno resta o despropósito
do discurso que sobra.
O ruge-ruge do gramofone
insistentemente repetido.

(Não deveria ele estar
no passado esquecido?)

11.02.2006 Revisto em 17.04.2006

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

Aceno

Dai-me um motivo para ainda te querer.
Um motivo apenas.
Acenda uma luz, mesmo que pequena,
pois o espaço é pouco.
Somente a ante-sala de uma vida.
Peço apenas um pequeno aceno.
Isto basta! Saberei de sua existência...
02/02/2006 – Revisto em 17/04/2006

domingo, 29 de janeiro de 2006

Minh’alma foi presa em teus olhos
Não vejo nada além do que vês,
Não escuto nada além do que escutas,
Não sinto nada além do sentes.

Meu corpo perde-se em teu corpo, pede tua alma
Idealiza teu calor, teu sabor
Indegustável já se faz sentir em minha boca
Etéreo e inconsciente.

És areia em minhas mãos
Ansiosamente retida e desesperadamente perdida.
Pois te desejo e te temo como à vida
Utopicamente vivida por mim.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

Verborragia


Se a verdade salva,
Não deve ser a que surge da compreensão
daquilo que foi ou daquilo que ficou.
Ou do discurso incompreensível
sobre a melancolia irresistível
ou da queixa impronunciada.

Se há alguma que salva deve ser
aquela que nasce do insight...
(aquele tapa na cara
do que estava a um palmo do nariz
mas permanecia ignorado)
...da tolice de sermos nós mesmos.

27/01/2006

sexta-feira, 20 de janeiro de 2006



Ouve o barulho da cidade ao longe.
O ruído dos carros; a música pelas janelas;
O burburinho dos transeuntes apressados.
É meio dia, o relógio avança célere.
Ouve as crianças brincando despreocupadas,
Seu alarido junto à praça que as abriga.
Vê a multidão em seu interminável vai-e-vem.
Não vê rostos, são estranhos.
O ignorado homem permanece na calçada incógnito.
Ouve passos, mas só vê sombras...
Dá-se conta de que o mundo é apenas ele mesmo,
Fecha os olhos, ouve o silêncio e vê o vazio.
Carros, crianças, multidão. Nada disso existe.
Apenas o grito impronunciado no peito.
O sol já se esconde no poente.
Finda o dia, mas o dia não aconteceu.
O vai-e-vem cessou e as crianças buscam seu ninho.
Os caminhos estão mudos, as luzes se apagam.
É meia-noite. Ouve o estrondo dos sonhos irrealizáveis.
Mas o relógio avança preguiçoso.