domingo, 26 de março de 2006

O eco

Já não tenho mais palavras
pr’aquela batida que soa no peito.
Palavras se esgotam,
mas o silêncio não vem.
Fica o eco pedindo destino certo.
Repetindo a lamúria sem nome.

Odeio o cachorro latindo,
ou seu uivo pra lua.
Desejo cerrar os olhos e deixar
de existir por um momento.
Ouço, contudo, ecoando:
Entrega-me. Entrega-me.

Mas aonde?

E respondo:
Conforma-te. Conforma-te.
Pra quem não tem destino,
qualquer caminho é bom.

19/03/2006

sábado, 18 de março de 2006

Poema ignorado

Revolta-me a felicidade da ignorância
Seu olhar fechado, ouvido tapado e tato cerceado.
Revolta-me seu sorriso impassível
E o desdém por aquele que conhece.

Invejo a tranqüilidade da ignorância
Protegida da chegada do sol
pelas brumas da manhã.

Que me importa a cegueira voluntária?
Mas que é feito daquele que conhece?

Tira de mim toda a ciência
Arranca de mim toda a certeza
Pois de certo sei apenas o que quero
e não quero querer.
De certo sei apenas o que quero esquecer.


11.02.2006

sábado, 4 de março de 2006

Réu confesso inimputável

Não gaste conselhos de auto-etima.
Nem melífluas palavras de consolação.
Foi minha culpa, devo admitir,
Acreditar de novo naquela ilusão.

De que o sol nasceu para todos,
Que já não existe réu.
E que neste mesmo instante
Ele aquece e brilha lá no céu.

Não gaste palavras de esperança.
Poupe o seu tempo, eu te aviso,
Sou réu confesso e renitente.

Reclamo, grito. Isto faço.
Mas sei também. Teatralizo.
Pois creio: hoje ele brilha diferente.

21.02.2006

Declaração de uma promessa

Se existe diga-me algo que eu queira ouvir.
Dê-me um sinal.
Apenas o silêncio persiste,
Já não há mais o sussurro da esperança
Nem o estrondo de sua ausência

A lua é minguante e ilumina mal o caminho.
Mas crescente é ânsia de ressentir o
Sussurro de uma promessa.

Mesmo que fosse uma barganha
(daquelas que fazemos com Deus)
E prometo testemunhar o milagre nos seguintes termos:
“Pela graça recebida. A cura de uma surdez sentimental.”

21.02.2006

Desentranhamento

Deseja sair, coisa estranha.
Gira e remexe-se nas entranhas.
Força passagem, caminho obscuro.
Almeja à luz ser observada.
Calafrios. Titubeio.
Gira os sentidos. Devaneio.
Trinco os dentes. Desespero.
Suor frio. Um suspiro.
Alivio ácido na garganta.

18.02.2006

Verborragia II

A palavra renova-se na dialética cotidiana,
Primeiro o dia, depois a noite,
Luz e sombra.
Alternando-se na corrente verbal.

Neste fluxo incessante, revive-se
a inutilidade da palavra repetida.
Seu transbordar sem sentido
e seu motivo sem razão
perpetuando a vazante coloquial.

Como se a abundância tivesse
o poder de mudar o sentido do rio
E a nascente inverter o efeito do frio
que minha alma enrijece.

Na palavra, o excesso
No excesso, a falta.
No afago, um adeus,
No adeus, até breve.
No que é breve, eternidade.

De eterno resta o despropósito
do discurso que sobra.
O ruge-ruge do gramofone
insistentemente repetido.

(Não deveria ele estar
no passado esquecido?)

11.02.2006 Revisto em 17.04.2006